quinta-feira, 22 de setembro de 2011

Samuel Celestino - A TARDE - Coluna A Tarde: O malfeito e o cascaduro.


Dilma Rousseff usa de um eufemismo como sinônimo de corrupção: a palavra “malfeito”. Ao invés de ir direto ao ponto (não ao ponto “G” como certa feita disse Lula num dos seus discursos destrambelhados) a presidente prefere amenizar o peso da denominação de quem mete a mão nas verbas públicas. Ora, “malfeito” pressupõe uma realização imperfeita. Assim posto, numa tradução (minha) quem mete a mão, afoga o gato, e não é descoberto, não teria praticado corrupção, segundo a presidente, e sim não procedeu de forma bem feita. Se o assalto vier ao público passa a ser “malfeito”.

Importa e muito a nomenclatura, é certo, mas o que vale mesmo é a repetição da presidente, em fórum internacional, ao lado do presidente americano Barack Obama, ao realçar que uma das decisões por ela tomada é a de combater os “malfeitos” em seu governo. Aceita-se estão a palavra, contanto que o combate aos corruptos não arrefeça. Até aqui, ela tem dado provas de determinismo.

Enquanto Dilma Rousseff discursava e assumia lá nos Estados Unidos uma posição clara (republicana, para fazer gosto aos petistas), aqui em Salvador o fantástico Lula derivava para lembrar do seu governo, onde os corruptos, ou “malfeitores,” tinham boa vida. Então mandou um recado aos políticos gatunos.

Ensinou que, “como atributo”, eles têm que ter “casco duro” (falava para os ministros de Dilma) de sorte a resistir às denúncias de corrupção e “não caírem tão rapidamente como vem ocorrendo” (A Tarde, edição de ontem). Conselho disparatado que bem revela o que vai pela cabeça do ex-presidente. O discurso foi feito logo após receber o título de “doutor honoris causa”, da Universidade Federal da Bahia, título que, conforme acentuou, tem recebido “de porrada”.

Criador e criatura têm, nesses primeiros nove meses de mandato de Dilma, demonstrado que existem entre ambos afinamentos mas, também, profundas diferenças sobre o conceito do que é público e o do que é privado. Com Obama e cinco outros países a presidente brasileira assinou um protocolo se comprometendo a não dar trégua aos “malfeitos”, ou, de forma direta, à corrupção. Faz mais, o que Luis Inácio não deve ter gostado: elogiou a imprensa brasileira ao dizer, no seu discurso, que, no Brasil, dispõe de uma estrutura para dar combate aos desvios. Citou, dentre eles, a Polícia Federal, a CGU, o Ministério Público e o trabalho desenvolvido pela imprensa brasileira.

O ex-presidente não gosta de imprensa e a imprensa, que antes tinha em relação a ele um afinamento total, hoje devolve o tratamento que recebe. Dez em dez veículos de comunicação fazem restrição ao seu comportamento e, em relação aos jornalistas, só os vinculados ao PT, o que, de resto, têm importância menor porque uma das regras de ouro para o exercício da comunicação é o jornalista especializado em política, não ser engajado a partidos. Isso, naturalmente, não envolve os assessores que trabalham para o partido porque, neste caso, há uma imensa diferença entre o exercício jornalístico de assessoramento e o engajamento partidário, tal como acontece nas demais profissões.

Ainda sobre o tema, nesta terça feira registraram-se diversas manifestações contra a corrupção que se espraia pelo País, em variadas capitais (menos em Salvador que está muito atrasada em relação à questão). A principal aconteceu na Cinelândia, no Rio, mas foi frustrante. O movimento feito pela rede social, convocando para as ruas os jovens e a população de maneira geral a participar dos atos, fracassou. Pelo menos nessa primeira arrancada. Esperavam-se 25 mil manifestantes, mas estavam lá, calculadamente, 2,5 mil pessoas em protesto contra os políticos corruptos.

Se servir de bálsamo, está-se apenas no início de um protesto que pode ganhar força, mas só o tempo dirá. Num exemplo, no primeiro movimento da cidadania, ainda nos estertores da ditadura militar, o movimento Diretas Já iniciou com a aglomeração de uns gatos pingados em frente do estádio do Morumbi, em São Paulo. Ganhou força de norte a sul do País, explodindo numa concentração com cerca de 1,5 milhão de manifestante na Candelária, Rio de Janeiro.

Apenas para lembrar a história, a Rede Globo, então vinculada à ditadura (fazia o que os generais determinavam enquanto grande parte dos veículos brasileiros, inclusive A Tarde, compunha as suas edições com um censor na redação que determinava o que podia e o que não podia sair. Outros foram abertamente censurados. O caso mais notório foi o do então conservador “O Estado de São Paulo”.

A Globo não apostava na manifestação. Mas, sem outro recurso, teve, às pressas, que suspender a sua programação normal para cobrir o que se registrava na Candelária, que o País acompanhava através de outros veículos de comunicação. Mesmo com o povo nas ruas, o Congresso, emasculado, ainda comandado pela ditadura, derrotou o projeto das Diretas Já por, se a memória não me falha, 18 votos. Mas estava, porém, plantada a semente da liberdade.

No rastro da manifestação, Tancredo Neves resolveu enfrentar, com a oposição e o povo unidos, o colégio eleitoral urdido pelo regime militar e o detonou derrotando o candidato do então PDS, Paulo Maluf. Tancredo virou o duende encantado das montanhas de ferro de Ouro Preto, Minas Gerais. O destino quis que a presidência caísse no colo de José Sarney, que serviu, como poucos, à ditadura. Até hoje o oligarca é um dos políticos mais fortes, senão o mais, do País. Aliado das vozes do atraso.

*Coluna de Samuel Celestino publicada no jornal A Tarde desta quinta-feira (22).

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