terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

A Secretaria de Cultura é a ponta do iceberg



Cansado de formular representações ao Ministério Público Estadual e não ter respostas, sobre as graves irregularidades relativas ao desrespeito do princípio constitucional da obrigatoriedade dos concursos (apesar de saber que em alguns casos não apontados por mim o MP estadual agiu, e que na representação dirigida contra o edital da prefeitura de Ilhéus as irregularidades apontadas foram corrigidas, exceto uma), tenho poupado meu tempo em relação à leitura das padronizadas convocações para as contratações temporárias que ilicitamente têm prevalecido na Bahia.
Esse episódio surpreendente, relativo à filiação partidária, foi-me trazido por um internauta, que em mensagem direta pelo Facebook (e por isso preservo o seu nome) perguntou-me o que achava a respeito. Verifiquei que o mais grave do edital (da secretaria estadual de Cultura) não era isso, mas sim a exigência de pontuação mínima absurda e a consequente “autorização” editalícia para a contratação sem qualquer critério, na hipótese de não serem recebidos os super-currículos esperados. A filiação partidária era apenas o bode na sala.
Pus-me a redigir uma Ação Popular, mas imediatamente publiquei uma carta aberta em 19/02/2012, que circulou bastante nas redes sociais, e no dia 21/02/2012 abordei o tema em minha coluna diária na Rádio CBN, tendo, portanto, o Secretário de Cultura chance de corrigir o erro, haja vista que a denúncia evidentemente chegou a dezenas de milhares de pessoas, muitas ligadas à Secretaria, e certamente foi clipada pelo acompanhamento da imprensa, mas, somente após o carnaval, em 23/02/2012 o fato foi publicado nos principais órgãos, por meio impresso e eletrônico, chegando ao conhecimento de milhões de brasileiros, e imediatamente cancelado, o que me poupou das frustrações e agruras da lentidão da justiça baiana.
A coragem do Secretário de Cultura, em manter a regra após a denúncia ter sido tornada pública, ou a coragem de quem escondeu dele o quanto ética e juridicamente aquilo era reprovável, apenas retrata a importância que tem para o governo a possibilidade de contratar pessoas com o grau de subjetividade que o decreto do REDA permite, escolhendo servidores sem provas escritas, mas somente com análise de currículo e entrevista, ou apenas entrevista. Esse absurdo regime de contratação instituído na Bahia a um só tempo descumpre a Constituição, onera os cofres públicos, garante injustiça na forma de selecionar pessoas e desrespeita os seus direitos trabalhistas.
O aparelhamento do Estado não iria ser oficializado após esse edital, como disse parte da imprensa nacional. Ele tem ocorrido oficialmente desde a edição do inconstitucional Decreto Estadual 8.112/2002, que tenta regulamentar a contratação temporária, e cujo conteúdo foi absurdamente agravado pelas mudanças instituídas por meio do Decreto Estadual nº 11.571/2009, que ampliou as hipóteses de contratação sem concurso, pisoteando a Constituição Federal, já rasgada.
Podemos ter certeza de que o Governador Wagner não achou um absurdo a regra prevista no edital. A falta de concurso na Bahia é fruto de uma decisão sua, implementada pela Secretaria de Administração (SAEB), apesar de no palanque de 2002 as contratações sem concurso terem sido tão firmemente condenadas. O Governador certamente está incomodado com a exposição negativa, e mais ainda pelo fato de que agora, tendo os fatos chegado ao conhecimento do grande público, vai ser preciso dar um freio no descalabro administrativo da não realização de concursos, e nas contratações irregulares que ocorrem mesmo havendo gente aprovada e preterida nos concursos.
Ter que realizar concursos públicos – eis o maior dano que o episódio causou ao governo da Bahia, o que ao mesmo tempo representa o maior ganho para a população, inclusive para quem não se interessa por concursos, que terá melhores servidores.
Como provavelmente o governo vai responder apontando alguns concursos realizados, a exemplo da PM (se fosse REDA, o tempo de contratação só daria para a formação do Oficial), Embasa (o MP do Trabalho foi que obrigou por meio de TAC, mas as contratações, conforme cronograma oficial, ainda não foram realizadas e o fim do prazo de validade se aproxima), Educação (apesar de haver milhares de aprovados de 2011, houve um vergonhoso REDA em janeiro de 2012), Agente Penitenciário (foram contratadas várias pessoas pelo REDA, mesmo com concurso válido) e Saúde (é a maior vergonha, pois o concurso está válido e os temporários ocupando as vagas dos aprovados), seguem os seguintes questionamentos, esperando que os esclarecimentos cheguem junto com a resposta:
1) Há quantos anos o Detran não faz concurso, e como os servidores são repostos?
2) Quando a CONDER, DERBA, AGERBA, BAHIATURSA, HEMOBA e IPAC, só pra exemplificar, fizeram concurso?

3) Quando houve concurso para o cargo de jornalista no Estado?

4) Cadê o concurso da área ambiental, anunciado oficialmente pela imprensa para 2011?

5) Quais secretarias estaduais, exceto as mencionadas acima, realizaram concursos nos últimos seis anos?

6) Qual a agenda de concursos da Bahia?

O governo da Bahia tem a opção de ignorar estes questionamentos, como o Secretário de Cultura e o Superintendente de Desenvolvimento Territorial da Cultura ignoraram a denúncia durante quatro dias, e talvez nesse caso o silêncio seja a escolha mais vantajosa politicamente.
* Waldir Santos é advogado da União, palestrante, professor, autor do livro “Concurso público – estratégias e atitudes”, apresentador do programa de rádio “A hora dos concursos”, colunista semanal de concursos do Jornal A Tarde e colunista diário de concursos da rádio CBN.

Nenhum comentário:

Postar um comentário