Receita administrativa insuficiente,
transporte público saturado, povo em conflito com a cidadania, orla e centro
histórico abandonados. Os entraves que dificultam a vida em Salvador parecem
não se encaixar nas características que formam o imaginário popular da capital
da Bahia. Diante de tamanhos desacordos, A TARDE identificou cinco
grandes incoerências que podem caracterizar a metrópole baiana como a
"capital das contradições".
Frente às incoerências apontadas, a
reportagem ouviu críticas de leitores e apurou os planos do prefeito ACM Neto
(DEM) para minimizar as incongruências percebidas em diversos segmentos
públicos de Salvador. O posicionamento do democrata foi repassado à
reportagem por meio da assessoria de imprensa. Dentre algumas temáticas
específicas, como o abandono do Centro Histórico e o caos no transporte
público, o prefeito relata que pretende estimular a construção de moradias no
Pelourinho e exigir a renovação da atual frota de ônibus por veículos
climatizados.
Receita - As incoerências da capital começam pela oposição entre a
dimensão populacional e a receita administrativa. Com quase três milhões
de habitantes, as terras soteropolitanas abrigam a terceira maior
população entre os municípios brasileiros. Contraditoriamente, entre as
capitais, é a segunda com menor arrecadação per capita, segundo a
Prefeitura. A arrecadação própria de Salvador prevista para 2013 está
estimada em R$ 1,3 bilhão.
Diante da fragilidade da receita, ACM
Neto relata que baixou uma série de medidas para cortar despesas e elevar a
arrecadação do Executivo Municipal. Dentre as medidas anunciadas, está o
contingenciamento de 25% do orçamento e o corte de gastos com pessoal. Neste
contexto, Neto prepara um pacote de medidas tributárias com a pretensão de
melhorar a arrecadação do município e reduzir a inadimplência e evasão
fiscal. O democrata não informa se o conjunto de medidas irá
implicar no aumento do Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial
Urbano (IPTU) ou do Imposto Sobre Serviço(ISS).
A possibilidade de aumento de
impostos incomoda a vendedora Viviane Santos, 30. Para ela, os problemas que
envolvem a cidade seriam resolvidos se o dinheiro arrecadado fosse investido
nas coisas certas. "Você acha que se o dinheiro do carnaval e da
construção da Fonte Nova fosse investido nas favelas estaríamos vivendo tantos
problemas? Não falta dinheiro, falta senso de responsabilidade dos gestores
para investir no que é necessário", afirma.
Transporte - Segundo informações do Departamento de Trânsito da Bahia
(Detran-BA), a frota de veículos de Salvador triplicou nos últimos 20 anos.
Entre janeiro de 1992 e março de 2012, a cidade passou de 261 mil automóveis
para 783 mil. Enquanto o fluxo de veículos na ruas só aumenta, Salvador
continua sem um transporte público de massa alternativo aos ônibus e trens do
subúrbio. Há mais de uma década em construção, o metrô tornou-se motivo de
piada entre os soteropolitanos devido aos constantes atrasos das obras.
Sobre os problemas crônicos
enfrentados no trânsito de Salvador, a intenção da prefeitura é repassar para o
governo estadual toda a administração do metrô e dos trens, dedicando atenção
exclusiva à melhoria dos ônibus. Partindo deste contexto, o democrata afirma
que irá "renovar a frota e exigir dos empresários ônibus climatizados para
melhor servir à população".
Enquanto os governos do Estado e do
Município discutem saídas para o trânsito, a população se queixa dos
engarrafamentos diários. O profissional autônomo Celso Martins, 64, por
exemplo, tem adotado algumas estratégias para fugir do caos que Salvador
enfrenta no trânsito. "Como trabalho de forma autônoma, saio de casa para
o trabalho às 5h e volto antes das 16h. Assim, evito os horários de pico. Esse
problema do trânsito ainda vai demorar de ser resolvido. Mesmo se o metrô
tivesse funcionando, os problemas ainda persistiriam. Seis quilômetros de linha
não ajudam em nada", aborda o autônomo.
Orla - Salvador também enfrenta um contraste relacionado à beleza das
suas praias. Os problemas que envolvem a ausência ou má oferta de
segurança, infraestrutura, iluminação, limpeza e áreas de lazer evidenciam a
degradação da orla da capital. Em 50 quilômetros de margem litorânea,
percorridos bairro a bairro, é comum encontrar calçadões desgastados,
desorganização de vendedores ambulantes, lixo nas areias e pontos de consumo de
drogas.
Sobre a situação de abandono da orla,
ACM Neto cita que abriu um canal de diálogo com a Justiça Federal para resolver
os impasses relacionados à construção de barracas de praia, proibidas
desde as demolições ocorridas em 2010 , por meio de decisão judicial.
"Outra prioridade é conceder incentivos para a atração de bares,
restaurantes e hotéis na região da orla, ampliar calçadões, ciclovias e áreas
de lazer', ressalta.
De imediato, entretanto, o que se
destaca são as críticas dos banhistas. Moradora de Rondônia, Alíria Gomes
relata que sempre vem a Salvador no verão. Nos últimos anos, entretanto, relata
que tem encontrado as praias cada vez mais sujas e inseguras. "Por isso,
prefiro ficar aqui no Porto da Barra. A praia é mais limpa e tranquila",
relata.
Centro Histórico - O Centro Histórico de Salvador também enfrenta problemas
relacionados à violência e abandono dos patrimônios culturais . De acordo com a
Associação Brasileira da Indústria de Hotéis da Bahia (ABIH), 200 pontos
comerciais fecharam as portas no últimos sete anos no Pelourinho, local
reconhecido como Patrimônio Histórico da Humanidade pela Unesco.
As vielas, que abrigam moradores de
ruas e usuários de drogas, revelam sinais de abandono. Segundo o Ministério da
Cultura (Minc), 70 dos 111 casarões que apresentam risco de desabamento no
Pelourinho estão situados na área tombada pelo Instituto Nacional do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional (Iphan).
O prefeito aborda que tem como
prioridade ajudar o Governo do Estado a requalificar o Centro Histórico. Para
isso, ACM Neto promete instalar a primeira "prefeitura-bairro" da
gestão no Pelourinho, como transferir boa parte dos órgãos da prefeitura para a
localidade. Outra medida anunciada pelo gestor é o estímulo à construção de
moradias na região. "Através de operações urbanas consorciadas, a
prefeitura pretende atrair investimentos privados para a parte antiga da
cidade, incluindo museus", relata.
Taxista há dez anos, Henrique
Guimarães conta que o centro histórico acaba afastando moradores e turistas
pela falta de infraestrutura (como a ausência de banheiros públicos) e
segurança. " Canso de trazer turistas que nem descem do carro quando
chegam aqui. A abordagem dos ambulantes é agressiva e não há atrativos
culturais (como teatro de rua ou algo do tipo) que distraiam os visitantes
durante a visita. É um turismo de foto e só", conta o taxista.
Povo - Além das oposições ligadas aos setores públicos, uma contradição
marcante também envolve o povo da capital. Embora reconhecidos
internacionalmente pela receptividade e alegria, os moradores de Salvador
parecem não cuidar da cidade e dos vizinhos. De acordo com a Empresa de
Limpeza Urbana (Limpurb), são recolhidos diariamente, em Salvador, cerca de
2.900 toneladas de resíduos orgânicos e 1.800 toneladas de sólidos (entulho). A
maior parte destes resíduos é despejada em local inadequado.
No que diz respeito à poluição
sonora, a Superintendência de Controle e Ordenamento do Uso do Solo do
Município (Sucom) relata o registro de 68.912 denúncias em 2012. Do dia 1º de
janeiro de 2013 até a última sexta, 18, já foram registradas 2.182 situações
referentes ao barulho na capital baiana. Para estimular práticas de boa
convivência, a prefeitura conta que pretende investir em campanhas de
conscientização da população, em parceria com a sociedade civil organizada.
"Essa fama do morador
(soteropolitano) ser receptivo é uma máscara. O que percebemos na cidade são as
pessoas despejando lixo em locais inadequados, não cuidando do patrimônio. A
prefeitura tem que fazer a parte dela, mas a população também tem seus
deveres", argumenta a profissional Jaciane Fonseca, 33.
Fonte: A Tarde
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