Mal
se haviam encerrado as eleições municipais de 2012 e já começavam as
articulações e os debates visando a 2014, com especial destaque para o pleito
presidencial. Há uma agenda econômica que está sendo ressaltada nesse debate,
seja numa perspectiva propriamente da economia ou político-eleitoral.
No
primeiro caso, temos economistas e analistas observando que a atual política
econômica está alterando os fundamentos vigentes no segundo mandato do
presidente Fernando Henrique Cardoso e no primeiro de Luiz Inácio Lula da
Silva: o tripé superávit fiscal, câmbio flutuante e metas da inflação. O Brasil
estaria seguindo uma política imediatista, baseada no aquecimento do consumo,
no crédito fácil, no jogo perigoso de seguir o teto das metas de inflação – e
não o centro –, além de o Banco Central estar agindo como braço do Ministério
da Fazenda. O “pibinho” seria um dos seus resultados.
Daí
não se segue, contudo, que essa pauta econômica seja decisiva do ponto de vista
político-eleitoral, como as lideranças tucanas se estão apressando a dizer. O
timing da política não corresponde ao da economia. Enquanto a atual situação
econômica permanecer sob controle, sem grandes derrapagens inflacionárias, nada
muda na perspectiva eleitoral. Pode até ocorrer uma queda progressiva das
expectativas econômicas, sobretudo visíveis para os economistas e analistas,
sem que o atual governo perca seu prestígio. Em casos extremos, o presente pode
hipotecar o futuro, sem que isso signifique um fracasso eleitoral para o
partido no poder. O exemplo dos Kirchners, na Argentina, mostra sucessivas
reeleições num país em plena desordem econômica e institucional.
O
atual governo, do ponto de vista político-eleitoral, não está baseado num tripé
econômico, mas social, associado a financiamentos eleitorais e políticos de grandes
grupos econômicos, que estão sendo beneficiados por diferentes privilégios,
como subsídios, financiamentos do BNDES e desonerações tributárias. O tripé
social é constituído pelo Bolsa-Família, pelo aumento da renda e de benefícios
da classe média ascendente e por uma situação de pleno emprego.
O
Bolsa-Família atinge 13,9 milhões de famílias. Contando quatro votos por
família (pai, mãe e parentes dos mais distintos graus), temos um contingente de
55,6 milhões de eleitores simpatizantes do atual governo e do PT. Esses gastos,
independentemente da situação econômica, já estão assegurados no Orçamento da
União e são, portanto, financiados por impostos. Mas o PT soube consolidar a
narrativa de que o Bolsa-Família, apesar de ter sido criado no governo Fernando
Henrique com outras denominações, é fruto de uma política petista.
A
classe média ascendente, que vive de seu trabalho, credita boa parte de seu
sucesso aos governos petistas, que criaram condições para sua melhoria de vida.
Pode-se dizer que essa classe não compartilha os valores petistas, na medida em
que está ancorada na liberdade de escolha, no esforço próprio, na diminuição
dos impostos, no elogio da segurança, e assim por diante. Todavia atribui sua
ascensão aos governos Lula e Dilma e tende a votar na atual presidente se os
tucanos não tiverem um discurso especial para eles. E também neste caso soube o
PT consolidar a narrativa de que a ascensão dessa classe média resulta de sua
política.
O País
usufrui hoje uma situação de pleno emprego, com aumento generalizado da renda
dos trabalhadores. Frequentemente os trabalhadores podem escolher o seu
emprego, não estando obrigados a seguir o que lhes é imposto quando este é
escasso. O imponderável reside num crescimento econômico muito baixo, que
poderia vir a alterar essa situação, mas a projeção de aumento do PIB em torno
de 3% ao ano não deve mudá-la substancialmente.
Vejamos,
sob essa ótica, as recentes medidas governamentais de redução das tarifas de
energia elétrica. Elas se enquadram perfeitamente em dois pilares do tripé
social: o Bolsa-Família e a classe média ascendente. Os beneficiários do
programa assistencial pagarão menos pelo consumo da luz – hoje praticamente
universal no País. Os aparelhos de televisão, a luz em casa e os
eletrodomésticos em geral sofrerão uma redução de seus custos de utilização.
Trata-se de um grande benefício.
Para
a classe média ascendente, o impacto de tais medidas é ainda mais acentuado,
pois ela é mais intensiva no uso de energia elétrica: suas residências são
maiores e melhores, seus eletrodomésticos, em maior número, e ela se tornou
também usuária de computadores e aparelhos de ar-condicionado. A redução do
custo da energia elétrica é, para essa classe, um benefício adicional, que se
acrescenta à sua própria livre-iniciativa. O governo entra na casa das pessoas
como favorecendo-as diretamente, algo inestimável do ponto de vista eleitoral.
Discussões sobre quebra de contratos, por exemplo, passam a ter pouca relevância
política nesse contexto específico.
A
redução das tarifas de energia para os setores industriais, pequenos, médios e
grandes, é também muito bem vista, correspondendo a uma demanda antiga, que se
torna ainda mais premente num ambiente competitivo, nacional e internacional.
Num contexto capitalista de privilégios, valem agora os benefícios usufruídos
por alguns, em detrimento dos setores de produção, geração e distribuição de
energia, que foram atingidos por tais medidas. Note-se, no caso, que os beneficiários
são em maior número que os prejudicados, aumentando, correspondentemente, o
cacife eleitoral da atual presidente.
Enquanto
esse tripé social estiver assegurado, as chances de reeleição de Dilma Rousseff
são muito grandes. Isso significa, para os próximos dois anos, que o tripé
anterior, constituído por metas da inflação, superávit fiscal e câmbio
flutuante, passa a ser secundário. Vale a nova fórmula eleitoral.
PROFESSOR
DE FILOSOFIA NA UFRGS.
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