terça-feira, 17 de maio de 2011

Consumo de drogas espanta turistas do Pelourinho.





"As artérias que conduzem ao Pelourinho estão obstruídas pelo crack. Estamos rodeados de bocas de fumo". A observação é de fonte insuspeita: Clarindo Silva, 69 anos, dono da Cantina da Lua, é mais do que um comerciante do centro histórico de Salvador. Sua Cantina, como diz a placa afixada na parede do estabelecimento, inaugurado em abril de 1945, é um espaço político, de luta e resistência, que já recebeu nomes como o ex-secretário-geral da Organização das Nações Unidas, Kofi Annan, o Nobel da Paz Desmond Tutu e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Com quatro comendas, um título de doutor honoris causa e viagens aos Estados Unidos e Espanha para falar do Pelourinho, Clarindo é uma espécie de embaixador do centro histórico. Deixou o jornalismo ainda no início da carreira para se dedicar à Cantina da Lua. Por seu engajamento na defesa do Pelourinho, fez parte do governo de Waldir Pires (PT, então no PMDB) como assessor cultural e da prefeitura de Lídice da Mata (PSB, então no PSDB), como administrador do centro. O histórico de esquerda ganha contornos controversos ao falar daquele que, para Clarindo, foi o governante que mais fez pelo centro: Antônio Carlos Magalhães, três vezes governador da Bahia.


"Dizem que fui cooptado por ACM. Na verdade, fui conquistado por tudo o que ele fez pelo Pelourinho", diz Clarindo. E completa: "No início dos anos 80, a festa da Benção, às terças-feiras, reunia milhares, trazia artistas consagrados. Eu vendia 120 caixas de cerveja em uma noite. Ontem, vendi três caixas. Não dava 60 pessoas na praça. Tinha um grupo de pagode horroroso tocando, um desrespeito".


Apesar das dificuldades, a Cantina de Clarindo ainda é influente em Salvador. É passagem obrigatória a qualquer um que pleiteie um cargo no Executivo estadual e municipal. Mas o dinheiro anda curto para o comércio local. Nos últimos seis anos, pelo menos 70 estabelecimentos fecharam as portas: "Hoje [dia 4] é aniversário da morte de Noel Rosa. E não consigo R$ 2 mil para contratar artistas e fazer uma homenagem. Ano passado, tive que demitir oito funcionários, pais e mães de família. Não tinha como pagá-los. Meu dia seguinte foi horrível", conta Clarindo que, neste momento, enxuga algumas lágrimas e pede licença ao interlocutor. Não sem antes solicitar a uma das funcionárias que sirva mais um chope e uma porção de camarão encapotado.


O consumo de drogas nas imediações do centro histórico, em especial à noite, além de espantar turistas - Salvador perdeu para Fortaleza (CE) o posto de principal destino turístico dos brasileiros -, tornou-se um problema de saúde pública de difícil solução para uma prefeitura em crise. Segundo o professor de Medicina da Universidade Federal da Bahia (UFBA) Tarcísio Andrade, projetos como o de redução de danos causados por entorpecentes, que coordena, ficam à mercê do vaivém político: "Entre fevereiro e setembro de 2010, nosso projeto ficou sem repasse de recursos". O projeto comandado por Andrade fez 8.187 atendimentos no ano passado, 20% deles a viciados em crack.


"O turista vem a Salvador rever essa Bahia que ele acredita conhecer. Esse bem simbólico é o nosso patrimônio", observa o antropólogo Roberto Albergaria. Para ele, a grande sacada de ACM foi politizar a ideia de baianidade. No entanto, Albergaria observa que, com a retirada dos moradores tradicionais durante a revitalização, o Pelourinho virou uma "cidade cenográfica", dependente da verba estatal. Durante as gestões de ACM, o governo custeou o centro, criando uma cultura de que o Estado é responsável pelo Pelourinho, não o município. "E Jaques Wagner não entende a importância simbólica do Pelourinho para o baiano, não tem essa vivência. Sua formação remete ao sindicalismo de Camaçari. Com ACM, o Pelourinho virou fachada. Com Wagner, se torna um fantasma", avalia o antropólogo.


A coordenadora do Centro de Gestão Social da UFBA, Tânia Fischer, avalia que ACM pecou ao desdenhar das intempéries políticas: "Em seu terceiro mandato, entre 1991 e 1994, ACM traçou um ousado plano, de dez etapas, para manter o centro histórico. O projeto não era ruim, mas imaginava carlismo perduraria. Como isso não ocorreu, ficou tudo pela metade". Para a pesquisadora, que estudou processos de desenvolvimento em cidades como Barcelona, Bogotá e Buenos Aires, "a única maneira de o Pelourinho ser autossustentável é com vida cotidiana, gente morando lá, vizinhança. Hoje, o soteropolitano só visita o centro para acompanhar turista".




Vandson Lima - Valor
www.josecarlosaleluia.com.br

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